11 de outubro de 2008

Que tal aproveitar a virada?

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Célia Borges
(jornalista)
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Que tal aproveitar a virada e passar a cobrar mais dos vereadores eleitos? O despertar dos eleitores – e a virada na escolha dos novos prefeitos de Resende e Itatiaia – é um fato político digno de análises mais especializadas. Não é o meu caso, já que escrevo como jornalista, mas também, e principalmente, como cidadã. Torci intimamente, e fiquei satisfeita com os resultados. Mas também acho que ainda é cedo para comemorações exageradas, já que não é justo nem razoável esperar que os novos prefeitos sejam, sozinhos, os salvadores dos nossos municípios. Nem os únicos responsáveis pelas melhorias nas nossas condições de vida.
A administração pública municipal, para ser competente e eficiente, depende muito do desempenho do Poder Legislativo, ou seja, das Câmaras e dos vereadores. Os dois governos municipais atuais se caracterizam por uma estreita – e por isso mesmo, para o cidadão, possivelmente incômoda e inconveniente – aliança entre Executivo e Legislativo. Juntos, eles fazem o que querem, mesmo que à revelia dos interesses da população. E gastam o nosso suado dinheirinho naquilo que lhes interessa.
Não vou entrar nos méritos dos absurdos que nos assolam, como os de desperdícios de recursos públicos, porque isso é assunto para uma grande reportagem, que eu mesma gostaria de fazer. Nem vou entrar nos méritos dos nomes escolhidos para a próxima vereança, porque isso também merece uma análise à parte. O fato é que elegemos um grupo de cidadãos como nossos representantes, e a obrigação principal deles é exatamente essa: a de nos representar.
Isso deveria significar também que a nossa opinião – e a nossa responsabilidade como cidadãos – não acaba no momento em que depositamos nossos votos na urna, ou quando conferimos a relação daqueles que foram efetivamente eleitos. Tendo ou não votado nos que se elegeram, é preciso, é necessário, é indispensável, que continuemos a exercer nossos direitos, cobrando deles uma representação à altura da nossa confiança.
O produto do trabalho dos nossos vereadores, nos últimos anos, avaliado em conjunto, fica abaixo de medíocre. As poucas iniciativas relevantes, do ponto de vista do interesse da comunidade a que deveriam servir, geralmente são pobres, mal feitas, e sem continuidade. Ao invés de exercerem suas verdadeiras responsabilidades, acham que dando uma esmolinha ou outra do seu farto orçamento para a cultura, para o atendimento social ou para o esporte, é suficiente para “lavar” as suas consciências.
Essa política “da idade da pedra”, essa ótica clientelista, precisa ser modificada, ao custo de ficarmos marcando passo indefinidamente. Não elegemos vereadores para ficarem discutindo nomes de ruas. Não elegemos vereadores para ficarem apenas negociando seus interesses pessoais a troco de voto para os projetos do Executivo. Não elegemos vereadores para encerrar as sessões legislativas com 15 ou 20 minutos, por falta de presença ou por falta de assunto.
Enquanto as prefeituras estão prestes a passar por uma renovação, nas Câmaras Municipais a continuidade está mais ou menos garantida, com a reeleição de uma boa parte dos vereadores (menos em Resende, mais em Itatiaia). O que significa que, para mudar alguma coisa, o cidadão vai ter que continuar na sua luta. Freqüentar as sessões, por exemplo, é uma boa sugestão para nos mantermos informados sobre o que eles fazem, e principalmente, sobre o que eles não fazem e deveriam estar fazendo.
A pressão pode funcionar muito bem quando está em votação alguma proposta de interesse coletivo. A presença de público, geralmente tão rara, pode influir em decisões cruciais sobre a nossa vida. E dificulta a cumplicidade entre os poderes. Estamos acostumados a deixar tudo passar ao largo, como se não nos dissesse respeito. Mas é assim que os políticos que tanto detestamos, encontram espaço para fazer suas tramóias. E a única forma de atuarmos efetivamente é participando de todas as etapas daquilo que diz respeito à nossa cidadania.
Se não lutarmos pelos nossos interesses à nível municipal, quem vai nos representar à nível estadual e federal? Por isso é que eu acho que, mesmo a contragosto, deveríamos nos revezar em plantões nos plenários das Câmaras, em dias de sessão. Deveríamos criticar o que consideramos errado, cobrar resultados em todos os níveis da administração, fazer valer nossos direitos constitucionais...
Se nós continuarmos sendo cidadãos acomodados, desinteressados do que fazem aqueles que nos representam, vamos acabar não tendo nem mesmo de quem, nem a quem reclamar...

Trapalhadas no Tribunal de Justiça

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A suspeição tem rondado os concursos para ingresso na magistratura do Estado do Rio de Janeiro. A anulação de um deles, por improbidade, foi pedida ao Conselho Nacional de Justiça. Negado por este, o pedido foi submetido ao Supremo Tribunal Federal. Concurso posterior foi anulado. No mais recente, de 2.303 inscritos, 510 passaram para a segunda fase e apenas 3 para a terceira. Na primeira prova da segunda fase houve questão duvidosa. Optou-se por repetir a prova sem anular o concurso. Na prova seguinte, o fiscal de uma das salas explicou certa questão enquanto nas demais salas não houve explicação alguma. Violou-se a isonomia e a norma que proíbe qualquer explicação. Ao invés de anular o concurso, o presidente do Tribunal de Justiça preferiu qualificar de despreparados 2.300 candidatos, quando a probabilidade de bom preparo era a de 2 por 10, aproximadamente.
No Brasil, a escolha dos juizes se dá por livre nomeação ou mediante concurso. Para ingressar no Supremo Tribunal, o candidato deve ter entre 35 e 65 anos de idade, ser bacharel em direito e cair nas graças do presidente da República. O notável saber jurídico e a reputação ilibada ficam por conta do subjetivismo presidencial. Prática forense é presumida. A sabatina no Senado tem sido mera formalidade. Os juízes de outros tribunais superiores são escolhidos entre magistrados, procuradores e advogados na proporção estabelecida na Constituição, o que limita o arbítrio presidencial. Exige-se 10 anos de exercício profissional para advogados e procuradores. Esse mínimo devia ser de 15 anos, tempo aproximado que um juiz de carreira leva para chegar ao tribunal a que está vinculado.
Para ser juiz estadual ou federal o candidato deve ter diploma de bacharel em direito, 3 anos de experiência (o que é pouco), reputação ilibada e ser aprovado em concurso público de provas e títulos. O vínculo de parentesco ou de amizade com autoridades, por si só, não gera impedimento. O acesso aos cargos públicos é garantido a todos os cidadãos que preencham os requisitos legais. Nenhum candidato deve ser discriminado por ter aquele vínculo, salvo se a autoridade participar da organização do concurso, da banca examinadora ou sobre elas exercer influência. Todos os candidatos devem concorrer em plano de igualdade, sem favorecimentos diretos ou indiretos. Os organizadores do concurso e os examinadores devem agir com sensatez, lisura, altivez e independência, de modo que a escolha dos futuros juizes recaia sobre os candidatos mais preparados do ponto de vista moral, psicológico, intelectual e técnico. A prévia informação a algum candidato, sobre matéria da prova, tipifica fraude.
O concurso não pode ser encarado como exame escolar em que se procura o certo e o errado, pois não se trata de matemática, nem de geografia. A correção das provas deve ser criteriosa, desprovida do ânimo de eliminar o maior número possível de candidatos. Corrigi-las superficial e apressadamente faz do concurso uma farsa. Tipifica constrangimento intelectual abusivo exigir dos candidatos que amoldem suas respostas a um gabarito ou a lições contidas em livro de autoria ou da preferência do examinador. O discurso forense é retórico. A lógica do razoável o conduz. A ponderação entre valores lhe é própria. Importa verificar, nas provas, a capacidade de análise do candidato, a fundamentação da resposta, o modo coerente de organizar idéias e a linguagem adequada ao expressá-las. O candidato pode dar boa resposta sem obrigação de encaixá-la na fórmula criada pelo examinador. O gabarito privilegia a capacidade mnemônica em detrimento da capacidade de operar com as idéias.O examinador deve ser tolerante com as respostas contrárias ao seu entendimento e recebe-las com naturalidade. Entendimentos opostos compõem a dialética jurídica. Nos tribunais, há votos vencidos e vencedores. A divergência ocorre em clima de mútuo respeito. Há candidatos cultos e preparados (advogados, defensores públicos, promotores de justiça). As suas provas não devem ser examinadas como provas de colegiais. A linguagem escorreita, comum ou técnica, não se confunde com preciosismo. O examinador não deve se sentir culturalmente inferiorizado ao se deparar com texto bem escrito. Citar doutrinas antagônicas sobre a mesma questão constitui esforço do candidato para mostrar conhecimento jurídico e aptidão para o cargo. Esse modo de expor não significa embromação, necessariamente. As idiossincrasias, os preconceitos, recalques e outras limitações do examinador podem prejudicar candidatos que seriam excelentes magistrados. Bons candidatos podem ser reprovados por faltar ao examinador preparo moral, psicológico, intelectual ou técnico. Nos concursos públicos, a mediocridade pode estar tanto nos candidatos como nos organizadores e examinadores.
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