A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instauração de processo disciplinar contra magistrado do Estado de São Paulo. Segundo informe da Associação Nacional de Magistrados Estaduais (Anamages), o motivo do pedido foi a opinião do magistrado de que somente em casos excepcionais, graves e urgentes, os advogados deviam ser recebidos nos gabinetes dos juízes, pois sem a presença do advogado da parte contrária, há quebra do princípio da igualdade processual. A OAB invoca o direito do advogado de se dirigir aos juízes nos gabinetes, independente de horário previamente marcado ou outra condição, observada a ordem de chegada (lei 8.906/94, 7º, VIII). O magistrado entende que: (i) está no legítimo exercício da liberdade de expressão (CF 5º, IV) (ii) o citado dispositivo do Estatuto da Advocacia é inconstitucional.
Nota-se, de início, que um juiz estadual está sendo processado disciplinarmente perante um órgão federal. Deve-se tal anomalia à inconstitucional emenda à Constituição nº 45. A Assembléia Constituinte, acertadamente, havia rejeitado a adoção do CNJ, por ser incompatível com a forma federativa de Estado. No Estado federal não há magistratura “nacional”, salvo: (i) na federação de fachada, como no Brasil de 1937/1945 e 1964/1985 (ii) na ficção de Kelsen. No autêntico Estado federal há magistratura federal e magistratura estadual, cada qual independente na sua esfera de competência. Daí a Constituição se referir aos órgãos do Poder Judiciário e não aos órgãos do Poder Judiciário “federal” ou “nacional” (art. 92). Em razão da autonomia constitucional do Estado federado, cabe ao Poder Judiciário estadual resolver os seus assuntos internos, inclusive os de caráter disciplinar. O Poder Legislativo brasileiro, em frontal violação ao princípio da separação dos Poderes, colocou-se contra a decisão da Assembléia Constituinte e criou o CNJ pela EC 45. No que tange à manifestação do pensamento, o magistrado, ainda no serviço ativo, pode publicar artigos de sua lavra. A liberdade de expressão é a regra. A lei orgânica só proíbe o magistrado de: (i) opinar sobre processo pendente de julgamento (ii) emitir juízo depreciativo sobre decisões de órgãos judiciais. A citada lei ressalva a crítica nos autos do processo, em obras técnicas ou no magistério.
Nos anos 80, na capital do Rio de Janeiro, ao assumir a 3ª. Vara de Família, o juiz se deparou com situação caótica. Pilhas de autos de processo no gabinete. Despachava-os em pé. As pilhas se renovavam. A cada momento o trabalho era interrompido por advogados com assuntos ordinários. O juiz, então, baixou portaria fixando horário para receber os advogados. Dividiu as bancas: 4 para os processos pares e 4 para os processos ímpares. Segunda e quarta-feira despachava os processos pares; terça e quinta, os processos ímpares. Instruiu os escreventes sobre o modo como deviam organizar os processos para despacho (assinaturas, petições iniciais, impulso processual, decisões interlocutórias, sentenças). Na sexta-feira despachava o saldo dos processos da semana que exigiam exame mais demorado. As audiências dos processos contenciosos eram realizadas de segunda a quinta-feira, de 30 em 30 minutos e as dos processos consensuais na sexta-feira, de 10 em 10 minutos. Processos não sentenciados em audiência o eram em casa, inclusive nos fins de semana. Dois promotores de justiça, lúcidos e competentes, sem prejuízo algum da sua autonomia funcional e independência intelectual, foram de inestimável ajuda. Ocupavam sala pequena. Tão logo aliviada a carga de processos, o juiz propôs a troca, cedendo-lhes a sala maior e mais confortável. Os serventuários assimilaram bem a filosofia de trabalho do magistrado. Em menos de um ano o caos se dissipara. A nota destoante foi dada pela OAB. Colocando as prerrogativas da classe acima do interesse público, representou contra o juiz. No Tribunal de Justiça, a OAB sucumbiu. A necessidade é a suprema lei. O interesse da sociedade se sobrepõe ao interesse da classe. A prerrogativa veiculada em lei federal interfere no funcionamento do Judiciário, o que significa interferir na autonomia do Poder, e isto só é possível a uma assembléia constituinte. A OAB recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Obteve êxito. Felizmente, o serviço já estava em dia. O juiz não se convenceu do acerto da decisão do STJ, como se vê desse trecho do artigo publicado na Revista Emerj, vol. 10, nº 37, 2007, pág. 85: “A lealdade deve orientar a conduta do advogado. Impõe-se a esquiva ao tráfico de influência e aos expedientes procrastinatórios. As visitas aos gabinetes dos juízes para embargos auriculares representam deslealdade para com a outra parte; há quebra do princípio da igualdade processual. O advogado deve usar a tribuna para apresentar suas razões com a publicidade que o processo requer, de maneira que a parte contrária possa replicar”.
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