3 de novembro de 2008

Personalismo perdulário

Humberto Innecco
professor e jornalista
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Itatiaia precisa de cuidados. Precisa ser acarinhada para que a população tenha a oportunidade de ter orgulho da cidade onde vive. Esses quase vinte anos de emancipação não foram suficientes para que o cidadão comum deixasse de se sentir, como e apenas, um morador de um “lugar” perto de Resende. Afinal, além de ter suas fronteiras físicas delimitadas, qual foi a grande atitude tomada em relação ao amor próprio da população no sentido de torná-la itatiaiense, orgulhosa de sua cidade? O que mudou foi o lugar onde pagar impostos, o lugar onde reclamar dos transportes, o lugar onde assistir às circenses reuniões da Câmara Municipal, o lugar onde governam os prefeitos... Mas o senso comum, as necessidades mais imediatas, as compras de bens e serviços estão voltadas para a cidade vizinha.
Há uma razão primordial para isso. Não existe um programa de desenvolvimento, discutido amplamente com a população, para os próximos 10, 20 ou 30 anos. E a cidade precisa disso porque ainda não tem nada estruturado de maneira sólida e competente que não seja sua fome de arrecadação.
A cidade nunca acompanhou o desenvolvimento de programas e projetos importantes que atravessassem gestões seguidas, mesmo que de diferentes grupos partidários. Projetos que fossem continuados e honrados por fazerem parte de um desejo comum do povo, dos legisladores e do executivo. Projetos pensados a longo prazo, com responsabilidade e visão de futuro. Mas, quem desenvolveria esses projetos e programas de trabalho? Não seria difícil encontrar. Muitas cidades o fizeram. Escolheram pessoas competentes e audaciosas que pudessem pensar a cidade como um todo. Não se deixaram dominar e serem planejadas por senhores feudais que usam o poder apenas para expandir seus domínios ou modernizá-los a custa do esforço e dos recursos do povo que deveriam ser voltados também para o resto das pessoas.
Escolher personalistas parece um erro recorrente das cidades brasileiras. Fazem o que “eles entendem” como certo. Sem nenhuma ética ou direito destroem e reconstroem o que foi feito por seu antecessor com a avidez dos perdulários que desancam o patrimônio e o erário públicos como um “novo rico”, um herdeiro sem berço, que detona, sem compromisso, um dinheiro que não fez nada para conquistar... São personalistas e perdulários. Querem entrar para a história. Querem sucesso antes mesmo do trabalho... Ignoram que, como dizia Einstein, “o único lugar onde o sucesso aparece antes do trabalho é no dicionário”... E, se for preciso, mentem. Corrompem. Fraudam. Tudo pela promoção pessoal. À revelia do que prometeram ao povo para serem eleitos.
Quando em Berlim, você embarca numa bela estação de trens que está da mesma forma há décadas, vê que foi ali, nos anos quarenta, na mesma estação, que embarcaram as tropas na segunda guerra. Intacta. Cuidada e mantida não apenas pelo seu valor histórico, mas pelo seu valor social, econômico... Foi uma obra erguida com finalidades maiores que as eleitoreiras ou de fachada. Faz parte ainda do grande complexo de transportes alemão. Teve planejamento, visão de futuro, plano diretor sério e rigorosamente cumprido (porque foi rigorosamente estudado). Obedeceu às necessidades reais de desenvolvimento. Não foi um “acerto” para beneficiar um vereador que tem uns caminhões ou umas máquinas ou uns ônibus escolares... Foi uma obra baseada em planejamento coerente e não em prostituição eleitoral.
Itatiaia vai padecer por muitos anos até que se estabeleça um programa íntegro de continuidade para o seu desenvolvimento. É difícil romper com esse estado de favorecimentos públicos ilegais, referendados por mandatos voltados para a locupletação pessoal.
Cada novo administrador que entra perde um tempo enorme e precioso para desmontar (se é que quer desmontar) os antigos processos e esquemas... e acaba se perdendo em seus objetivos iniciais. Além de ter que compor o novo quadro de forças ainda tem que movimentar, com muito cuidado, cada peça da administração para não emperrar a máquina em função de boicotes e sabotagens... Uffa!!
Nesse cenário, se montam os novos governos. Obrigados a governar com “um olho na missa e outro no padre” durante uns dez a quinze meses.
Do outro lado, a população. Sem nenhum poder de reação social (não teve formação para isso nos últimos 50 anos) observa, de forma contemplativa, as intervenções pontuais, na maioria demagógicas e eleitoreiras, que a administração vai executando. Um prédio escolar novo (sem educação e educadores verdadeiros dentro), um posto de saúde novo (sem medicamentos e equipe capaz), um muro aqui, uma grade ali, um chafariz (oooooh!), um campinho de futebol... uma festa junina... um forró...
Pobre Sucupira, quer dizer, Itatiaia... quanto tempo vamos viver essa bandalha? Levaremos muito tempo ainda para que nossos gestores tenham cultura e capacidade administrativa... além de apenas votos?
Será que teremos a sorte e o privilégio de eleger um “louco” que invista em educação de forma tão coerente, audaciosa e responsável que, rompendo com os currículos ultrapassados e distantes da nossa realidade, mostre ao Brasil que uma cidade pode renascer das cinzas a partir da coragem e da firmeza de objetivos? E assim construa um ambiente de cidadãos forjados por escolas que não se limitaram a ensinar a ler e escrever ou a fazer continhas de matemática... Mas escolas que ensinaram a reagir socialmente formando cidadão de primeira linha ao invés de pessoas com identidade e CPF, manipuláveis através de um título de eleitor...

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