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Foi dito alhures que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são lições de direito. Se assim for, a universidade lhes é mais adequada do que o tribunal. O escopo da judicatura é decidir com justiça (o que já traz em si grande lição). A linguagem da decisão há de ser límpida, que um intelecto menos cultivado seja capaz de compreender. Votos cuja leitura exige mais de 15 minutos entram na categoria dos prolixos, confusos, rebarbativos e anacrônicos. Para concordar com o relator, um minuto basta. Para discordar, mais alguns minutos. Concisão e objetividade, sem abdicar da elegância, clareza, serenidade e imparcialidade, são de muita valia à prestação da tutela jurisdicional. Os magistrados não devem perder as estribeiras. Antes da TV Justiça não se via um juiz chamar o outro para briga corporal, nem bravatas, nem sorrisos e expressões artificiais, nem fala mascada ou declamações. A emissora de TV exibiu a vaidade e a veia artística dos juízes.
Foto: Wilson Dias/ABr
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Escandalizada com a decisão monocrática do habeas corpus (hc) impetrado por Daniel Dantas, a nação surpreendeu-se com manobra forense. As instâncias intermediárias foram ignoradas. Ao invés de lhes remeter os autos do processo, o STF admitiu e julgou o hc, sob o argumento de que estava “temperando” o disposto na súmula 691 assim redigida: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. Inconstitucional, apesar dos precedentes, o “tempero” tem sabor político e digitais plutocráticas. Não havia justo motivo para desrespeitar a jurisdição intermediária. Quiçá para atenuar o erro do seu presidente, o STF foi mais longe: trouxe para o tribunal pleno o que devia se esgotar na turma. O hc perdera o objeto. O paciente fora colocado em liberdade. A ordem de soltura fora cumprida, tanto para a prisão provisória como para a prisão preventiva. Restava arquivar os autos do processo. O motivo para insistir no julgamento em plenário ficou evidente: melhorar a imagem dos ministros lançando um libelo contra o juiz em sessão transmitida pela TV Justiça.
A independência dos juízes parece incomodar os ministros do STF. Juiz e tribunal podem discordar sobre a necessidade da prisão. Isto é normal. Inadmissível, entretanto, por falta de amparo no direito positivo, a tese de que a prisão preventiva não pode ser decretada com base nos mesmos fatos que autorizam a prisão provisória. “Decorrido o prazo de 5 (cinco) dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva” (lei 7.960/89, 2º, §7º), ou seja, estribado no mesmo inquérito policial, o juiz pode decretar a prisão preventiva ainda com a prisão provisória em vigor. À luz do Código de Processo Penal – não mais à luz da lei especial – o juiz apreciará os fatos narrados no inquérito, com ou sem novidade. Ademais, nova prova é fato novo em relação ao estado do inquérito. Ainda que se refira aos fatos antigos, o ato posterior de prová-los é um fato novo gerado pela inteligência e pela ação humana.
Enquanto a prisão provisória depende do pedido do delegado ou do promotor, a prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo juiz (hipótese que não ocorreu no caso Dantas). Em instante de raquitismo jurídico, sob febre emocional na sessão de julgamento, foi dito que o juiz se torna parte processual ou cúmplice quando defere pedido do promotor ou do delegado. Examinar, deferir ou indeferir o pedido é tarefa do juiz. Por haver bem cumprido esse dever tentam crucificá-lo servindo-se do sofisma ad hominem (desvio do foco). Acusam o juiz de sonegar informações, de insolência, de afrontar o tribunal de modo oblíquo. O ministro Marco Aurélio colocou o cataplasma adequado no bilioso argumento. Leu as informações e mostrou que foram prestadas de modo amplo, claro e respeitoso. O juiz citara, inclusive, lição da lavra do presidente do STF. Os ministros enxergaram o insólito e o grosseiro onde só havia o normal e o educado. A irritação dos ministros decorre, talvez, do apoio que o juiz federal recebeu da magistratura e da opinião pública. O povo se manifestou pela rede de computadores, jornais e revistas. Os ministros sentiram-se desprestigiados. O esforço cerebrino dos ministros para retirar a autoridade moral e jurídica do juiz não repercutiu bem na opinião pública. A campanha contra o juiz em jornal de grande circulação, certamente financiada pelo interessado, também não surtiu efeito. Melhor ficaria a imagem do tribunal se a censura recaísse sobre o seu presidente e sobre o indiciado (contra o qual há notícia de indícios e provas da autoria e materialidade de graves delitos).
A independência dos juízes parece incomodar os ministros do STF. Juiz e tribunal podem discordar sobre a necessidade da prisão. Isto é normal. Inadmissível, entretanto, por falta de amparo no direito positivo, a tese de que a prisão preventiva não pode ser decretada com base nos mesmos fatos que autorizam a prisão provisória. “Decorrido o prazo de 5 (cinco) dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva” (lei 7.960/89, 2º, §7º), ou seja, estribado no mesmo inquérito policial, o juiz pode decretar a prisão preventiva ainda com a prisão provisória em vigor. À luz do Código de Processo Penal – não mais à luz da lei especial – o juiz apreciará os fatos narrados no inquérito, com ou sem novidade. Ademais, nova prova é fato novo em relação ao estado do inquérito. Ainda que se refira aos fatos antigos, o ato posterior de prová-los é um fato novo gerado pela inteligência e pela ação humana.
Enquanto a prisão provisória depende do pedido do delegado ou do promotor, a prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo juiz (hipótese que não ocorreu no caso Dantas). Em instante de raquitismo jurídico, sob febre emocional na sessão de julgamento, foi dito que o juiz se torna parte processual ou cúmplice quando defere pedido do promotor ou do delegado. Examinar, deferir ou indeferir o pedido é tarefa do juiz. Por haver bem cumprido esse dever tentam crucificá-lo servindo-se do sofisma ad hominem (desvio do foco). Acusam o juiz de sonegar informações, de insolência, de afrontar o tribunal de modo oblíquo. O ministro Marco Aurélio colocou o cataplasma adequado no bilioso argumento. Leu as informações e mostrou que foram prestadas de modo amplo, claro e respeitoso. O juiz citara, inclusive, lição da lavra do presidente do STF. Os ministros enxergaram o insólito e o grosseiro onde só havia o normal e o educado. A irritação dos ministros decorre, talvez, do apoio que o juiz federal recebeu da magistratura e da opinião pública. O povo se manifestou pela rede de computadores, jornais e revistas. Os ministros sentiram-se desprestigiados. O esforço cerebrino dos ministros para retirar a autoridade moral e jurídica do juiz não repercutiu bem na opinião pública. A campanha contra o juiz em jornal de grande circulação, certamente financiada pelo interessado, também não surtiu efeito. Melhor ficaria a imagem do tribunal se a censura recaísse sobre o seu presidente e sobre o indiciado (contra o qual há notícia de indícios e provas da autoria e materialidade de graves delitos).
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O autor é professor e juiz de direito aposentado, morador de Penedo
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